Rua São José
Três esfihas pelo preço de um café. O anúncio, exibido em uma faixa de tecido, chamava a atenção de quem passava na frente da grande lanchonete, na Rua Cerro Corá, uma movimentada via de São Paulo. Corria o ano de 1988 e comida árabe era encontrada basicamente nos restaurantes da comunidade. Movidos pela curiosidade, os
fregueses começaram a entrar e provar os quitutes do primeiro fast-food árabe do país, batizado Habib’s. Na cozinha, sem dormir havia dias, o português Alberto Saraiva, médico de formação e comerciante por vocação.
"Por 45 dias tivemos fila na porta e em dois meses recuperei os 60.000 reais investidos na casa", lembra Saraiva, com orgulho.
CASA DOS MILHÕES – Em 15 anos, a rede registrou um crescimento surpreendente. Seus preços continuam
na casa dos centavos, mas os resultados invariavelmente ultrapassam a casa do milhão. São 550 milhões de esfihas, 28 milhões de quibes, 10 milhões de pratos árabes, 10 milhões de sanduíches e 4 milhões de pizzas por ano, consumidos em 232 lojas distribuídas por todo o país. O faturamento da rede? Foi de 500 milhões de reais no ano passado. O tripé de sustentação do Habib’s é uma receita que Saraiva não esconde de ninguém, mas que poucos
conseguem colocar em prática: pratos de qualidade, preços extremamente baixos e atendimento diferenciado.
"A maioria dos empresários adota qualidade como sinônimo de custo alto, o que é um grande erro", assegura.
Rezando por sua própria cartilha, o Habib’s vem mantendo distância da palavra crise. Cresce a uma média de 30 lojas por ano e, em 2003 – considerado difícil para todos – abriu 35 novas unidades. "Se o poder aquisitivo aumenta, nossos preços ficam ainda mais em conta. Se, ao contrário, cai, passamos a ser uma das únicas opções do mercado", explica o empresário, para provar que está no caminho certo.
“Sou centralizador. Boa parte do sucesso do Habib’s é resultado dessa minha postura”
SOB OS OLHOS – Falando assim, parece simples tocar uma estrutura com 10.000 empregados e totalmente
verticalizada. A rede conta sete centrais de produção, que encaminham às lojas os pratos semiprontos, padronizando e garantindo a qualidade dos produtos. Fabrica seus próprios pães, sorvetes, sobremesas árabes e até o queijo que recheia suas esfihas, usando para isso uma média de 70.000 litros de leite por dia. "Dizem que a terceirização
é um bom processo, mas prefiro ter tudo sob o meu controle", afirma Saraiva. "Tudo" inclui ainda uma agência para
cuidar do marketing e uma construtora para erguer as lojas.
Segundo ele, ser centralizador é uma de suas características mais marcantes e, também, um dos segredos do sucesso dos negócios que toca. "Se acredito na idéia, não mudo uma vírgula da proposta", avisa. Com o cardápio do Habib’s aconteceu exatamente isso. Ninguém queria aceitar a mistura de comida árabe com hambúrguer, pizza, pastel e sorvete. Saraiva deu a ordem e o resultado é que esse mix, bem ao gosto do brasileiro, é um dos grandes responsáveis pela boa performance da rede, garantindo um consumo médio de 7,75 reais por cliente.
Essa veia empreendedora foi descoberta a partir de um fato triste: a morte do pai em um assalto. Obrigado a assumir os negócios da família, Saraiva transformou uma padaria medíocre em um ponto cobiçado pela concorrência. "Já ouviu aquele ditado: se você tem um limão, faça com ele uma limonada? Foi o que fiz." Na busca de freguesia, vendia 12 pãezinhos pelo preço de dez, além de assar várias fornadas ao longo do dia, para fisgar o consumidor pelo cheiro. "Naqueles tempos, era a Sunab quem ditava as regras e flexibilizá-las parecia uma afronta", lembra com ar maroto. No momento em que os lucros começaram a aparecer, passou o negócio para a frente e comprou
outro, deficitário, por uma ninharia. Assim fez com padarias, bares, pizzarias, pastelarias e lanchonetes até decidir abrir um fast-food de comida árabe, uma novidade no país.
Em todos os lugares por onde passou, procurou ser um especialista na matéria. "Quando você domina a receita, fica mais fácil contratar a equipe e cobrar o serviço", ensina. Até a formatação da franquia foi feita em ambiente doméstico. Saraiva fez cursos, leu toda a literatura do setor e viajou aos Estados Unidos para conhecer de perto
o sistema. Na volta, criou suas próprias regras. "Confesso que no início errei a mão ao escolher os franqueados parceiros. Hoje, só aceito gente disposta a tocar o negócio pessoalmente e com dinheiro na mão. Nada de recorrer a bancos",decreta. Graças aos métodos duros de gestão, a inadimplência da rede é zero.
Saraiva faz questão de controlar custos e despesas. Vira a mesa quando encontra sinais de desperdício e não admite mudanças na tabela de preços por conta da inflação. Das 232 lojas da rede, 48 são próprias e servem de laboratório para novas propostas. A mais recente é o delivery, que nos primeiros cinco meses de operação atendeu meio milhão de clientes, entregando pedidos em 28 minutos. "Não tenho pudores em copiar da concorrência o que ela tem de melhor", assinala.
QUERO MAIS – Aos 48 anos, pai de três filhos, o português que fez escola vendendo comida árabe não se considera satisfeito. Seu apetite é ainda maior, mesmo dedicando ao trabalho a maior parte de seu dia. "Meu grande desafio é conseguir fazer do Habib’s uma estrutura capaz de sobreviver a todos os tipos de administradores", confidencia. Saraiva se refere à internacionalização da rede, que já tem sete lojas no México e planos aprovados para França, Portugal e Estados Unidos.
Enquanto domina a ansiedade e traça estratégias para manter a mesma solidez no mercado externo, o empresário procura ampliar a participação da empresa em projetos sociais. Há cinco anos a rede fornece para os programas Mesa São Paulo e Banco Rio de Alimentos produtos suficientes para compor 21.000 refeições por mês. Paralelamente, instituiu o dia 16 de outubro como o Bib’s Dia Genial, quando a arrecadação da venda de esfihas é destinada a projetos como o Ação Criança. "Quanto mais se aprende a dividir, mais se multiplicam os ganhos",ensina. K.S.
Revista Pequenas Empresa &Grandes Negócios, Edição Especial No 2