Visite o decorado
Mas não descuide do memorial que descreve as características reais do imóvel.
A maior compra da sua vida pode se transformar em uma tremenda dor de cabeça.
Mesmo que, antes de fechar negócio, o morador busque todo tipo de informação -em material de vendas, conversas com corretor e vendedor e visitas à unidade decorada-, nem sempre o que ele compra é o que vai encontrar quando, finalmente, receber as chaves.
Isso acontece porque um item fundamental costuma ser deixado de lado: o memorial descritivo, que detalha características do empreendimento, como os itens que serão instalados e os que serão usados no acabamento.
Se uma churrasqueira não for entregue, por exemplo, o morador que não tiver um registro que comprove a existência desse acessório como parte integrante do imóvel poderá ter de arcar com a decepção e o prejuízo. Como nem sempre a questão é resolvida pacificamente, muitos casos vão parar na Justiça.
Para desvendar algumas armadilhas que um apartamento decorado pode esconder, a reportagem da Folha convidou o arquiteto João Carlos de Oliveira César, professor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), e o engenheiro de obras Silvio Martins Filho para visitar quatro empreendimentos em diferentes bairros da cidade de São Paulo.
Além de funcionários que não sabiam informar dados técnicos sobre os apartamentos, a reportagem encontrou problemas como armários embutidos menores do que a medida padrão, varandas intituladas gourmet porém sem churrasqueira e pé-direito maior do que o previsto em contrato -o que, na visita, dá a ilusão de que o apartamento é mais amplo.
Se o futuro morador encontrar divergência entre o que comprou e o que recebeu, não deverá assinar, na hora da vistoria, nenhum documento que ateste que o imóvel foi entregue conforme previsto, recomenda o advogado Ricardo Longo.
A seguir, veja dicas de advogados e entidades de defesa do consumidor sobre que cuidados tomar para que a boa impressão deixada pela visita não dure apenas até o momento da vistoria ou da entrega das chaves.
Gato por lebre
Apartamentos decorados seduzem comprador, mas podem provocar enganos
Os modelos decorados são um dos principais instrumentos das incorporadoras para conquistar os clientes. Quando bem empregados, os projetos podem ajudar o consumidor a vivenciar a metragem do imóvel, assim como suas limitações de espaço.
O problema é quando a incorporadora ou a imobiliária omitem -ou não especificam de forma clara- algumas características, a qualidade do acabamento, o que é cobrado à parte e o que está incluído no valor pago pelo apartamento.
"A principal tática de venda das incorporadoras é enfatizar os atrativos e os nomes dos arquitetos e paisagistas contratados para o projeto. O consumidor deve ficar atento à documentação da empresa e aos materiais inclusos no contrato", alerta o engenheiro Silvio Martins Filho.
A analista de importação Flavia Fornazari, 29, diz ter sido surpreendida com a entrega de seu imóvel. Segundo ela, diferentemente do que presenciou no decorado, seu apartamento em São Bernardo do Campo possuía encanamento de gás aparente. "Essa informação não constava no memorial descritivo nem nos anúncios."
Como solução para esconder os canos, ela colocou armários na cozinha e no banheiro. "Talvez eu processe a construtora, mas ainda não me decidi."
A Tenda, responsável pelo empreendimento, diz que ele está no período de garantia pós-entrega e que os problemas identificados serão devidamente resolvidos.
O funcionário público Nivaldo Mortean Grande, 54, entrou com ação contra a construtora MaxHaus, por, segundo ele, ter se sentido enganado por meio de promessas verbais e anúncios.
"A entrega atrasou, a porta não tem isolamento acústico, o 'backlight' com iluminação em vermelho não foi instalado no topo do edifício, a rede de café do condomínio não tem funcionários disponíveis e a fachada avançada nos quatro lados das duas torres também não está lá", enumera.
A MaxHaus afirma que a fachada foi executada conforme previsto em contrato e que não encontrou "qualquer especificação ou ilustração mostrando 'backlight' em vermelho no topo do edifício". Em relação à porta, diz que foi entregue conforme descrito no memorial.
Para evitar problemas ou ter mais chances de ganhar a causa em um processo, Leandro Pacifico, presidente da ABMH (Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação), diz que um primeiro passo é guardar o material publicitário do empreendimento.
Em vez de se fiar nas promessas verbais de um vendedor, o comprador deve solicitar o memorial descritivo. "Com ele é possível comparar se o que foi prometido de fato será entregue."
Etiqueta 'invisível' foi golpe baixo
O apartamento de 161 metros quadrados na Vila Romana satisfazia todos os desejos da família: três dormitórios, rua tranquila, sala ampla... Decidimos comprar, não sem antes visitar duas vezes a unidade decorada.
Na primeira versão, o enorme terraço estava fechado com vidros e guarnecido com sofás e poltronas. Na segunda, só metade dele aparecia como sala, com um painel divisório móvel de vidro, em "L".
Pedimos uma cópia da planta com aquela versão. Só aí assinamos o contrato.
O início da obra atrasou, coisa de um ano. Agora, enfim, começou a sair do chão, mas as decepções continuaram.
Chamados a confirmar a opção de planta, enviamos cópia da preferida. Fomos informados, então, de que a divisória em "L" não seria fornecida, só os caixilhos de alumínio da primeira versão do decorado.
Após insistir, veio a prova da má-fé da construtora, uma fotografia. Mostrava a unidade decorada na segunda versão com uma pequena etiqueta colada nos vidros, a 5 cm do chão.
Na ampliação da imagem, dava enfim para decifrar o adesivo: "Este material não está especificado no memorial descritivo do empreendimento, portanto não será entregue pela construtora".
É claro que nenhum corretor mostrava a etiqueta na visita, mesmo porque o otário comprador teria de ficar de quatro para conseguir ler.