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Cada vez mais comercial

Tradicional avenida de Ribeirão Preto, a Nove de Julho tem hoje apenas seis imóveis habitados; 207 já viraram comércio.


A última sexta-feira foi um dia de despedida para Zulmiro Aparecido Albino, 63. Depois de 35 anos, ele deixou o casarão na avenida Nove de Julho em Ribeirão Preto, onde trabalhou para a família Serra, e que será sede de um novo espaço de eventos.


A mudança da mansão residencial para imóvel comercial é mais um capítulo da história da transformação da avenida, que já abrigou famílias tradicionais, em área tipicamente de comércio e prestação de serviços -principais atividades da cidade.


"Estou com um sentimento de missão cumprida. Vou cuidar do meu sítio e ficar no mato", disse o caseiro, conhecido como o "seo" Zulmiro.


Depois de três décadas, ele quer descanso e menos barulho. Não é por menos: dos 213 imóveis da avenida, de acordo com dados da Secretaria da Fazenda de Ribeirão, apenas seis têm famílias que resistem ao apelo do comércio.


Em 2009, havia 14 casas com moradores no local, segundo levantamento feito à época pela Folha.


O casarão da família Serra, localizado na esquina da avenida com a rua Marcondes Salgado, estava fechado havia dois anos -desde a morte da dona do imóvel, Marilena Garcia Leal Serra.


Duas filhas de Marilena conversaram com a reportagem, mas não quiseram conceder entrevistas.


Perto dali, a mansão onde viveu a família Marchesi passa por reformas para que, em janeiro, seja inaugurada uma central de telemarketing da indústria têxtil Mix Lar, da cidade de Ibitinga. Procurado, o dono da empresa não quis comentar o assunto.


"ÉPOCA FELIZ"


O cinegrafista Júlio César da Silva, 51, viveu parte de sua infância e adolescência na rua Altino Arantes, a poucos metros da avenida, e guarda em sua memória os casarões enfeitados durante o período natalino.


"Era como se disputassem quem enfeitava melhor. A casa da dona Marilena sempre ganhou", afirmou ele, com ar de saudosismo.


A avenida também atraía a população para comemorações, como a vitória da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 70.


Dentro dos casarões, as famílias prepararam grandes festas para recepcionar convidados ilustres, como o presidente Juscelino Kubitschek, em 1956.


"Meus pais fugiam para namorar na Nove. Era gostoso andar à noite na avenida, foi uma época muito feliz", disse a empresária Maria Helena Françoso, 72.


Durante 30 anos, ela morou em uma casa na rua João Penteado, no Boulevard, paralela à avenida.


Com a invasão do comércio na Nove de Julho, decidiu se refugiar em um apartamento, por segurança.


"Parte viva" da história da avenida, há 28 anos Celso Luiz Iozzi Carniel, 47, vende frutas em uma banca instalada no muro do casarão da família Serra.


"Conheci muitas famílias, vi essa avenida mudar. É o progresso, ninguém consegue segurar. O importante é que ficam as boas lembranças", afirmou.




Elite se desloca para a zona sul e avenida deixa de ser atraente


Historicamente, as famílias de classe alta de Ribeirão Preto seguem a mesma direção de deslocamento -desde a década de 1980, o eixo é a zona sul da cidade, mas a avenida Nove de Julho já fez parte desse fenômeno.


A conclusão é do urbanista Ozório Calil Júnior, que pesquisou a região central de Ribeirão Preto em sua dissertação de mestrado defendida no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo) de São Carlos.


"O movimento de saída das famílias começa com a inauguração do Ribeirão Shopping [1981]. Aquela região passa a ser o novo foco [do deslocamento urbano]", afirmou o especialista.


Inaugurada em 1922 -ou seja, completa 90 anos em 2012-, a avenida Nove de Julho viveu o seu apogeu entre as décadas de 1940 e 1970.


No período, os barões e coronéis do café -já com produção em declínio, após a crise de 1929- se mudam da região central de Ribeirão Preto para a avenida.


No final da década de 70, no entanto, o local começa a passar por alterações em sua estrutura habitacional, com a instalação das primeiras agências bancárias, que hoje quase dominam o cenário.


"O comércio era proibido na avenida. Mas a Câmara alterou a Lei de Uso e Ocupação do Solo e o cenário mudou", diz Calil.


O tombamento pelo município da Nove de Julho garante a permanência do calçamento de paralelepípedos, do piso do canteiro central e das sibipirunas (árvores locais).


"Seria preciso preservar a história. É uma pena que a avenida esteja se transformando dessa forma", afirmou a aposentada Sônia Benedini, 75, que mora no Boulevard, área acima da Nove de Julho, dominada por lojas e prestadores de serviço.